Sunday, July 30, 2006

As conturbadas Relações Internacionais

De Pyongyang a Beirute

Num período conturbado na Coreia do Norte e no Líbano, que explicação tem para ambos os casos a ciência que se dedica ao estudo das relações entre os Estados, as Relações Internacionais? Nuno Santiago de Magalhães, doutorando e investigador na Disciplina, responde à pergunta.

Dia 4 de Julho, data da Independência dos Estados Unidos da América (EUA), a Coreia do Norte realizou uma série de testes de mísseis de curto e longo alcance no mar do Japão. Com isso, originou uma crise na região e, desde logo, a comunidade internacional condenou os ensaios balísticos de Pyongyang, a capital do país.

Numa perspectiva de Relações Internacionais, a atitude norte-coreana foi pensada com um propósito: “Se a Coreia do Norte lançou aqueles mísseis foi porque a agenda internacional se tinha esquecido do país em detrimento do Irão”, sustenta Nuno Magalhães, para quem o país asiático “desafia permanentemente a presente ordem mundial”. A Coreia do Norte, não só é “a ditadura mais fechada do Mundo”, como viola o Direito Internacional. “É suspeita de tráfico de droga, falsificação de dinheiro, e perigosas actividades que envolvem segredos e materiais militares”.
Para Nuno Magalhães, a questão dos mísseis prova que “a Coreia do Norte pretende obter benefícios tanto dos países regionais (China, Japão, Coreia do Sul) como dos EUA através de chantagem”. Uma chantagem que envolve não só o seu projecto de mísseis balísticos como também o seu programa nuclear.

Olhando a história do país, e “para melhor perceber esta questão”, o investigador relembra que desde a independência da Coreia do Norte, em 1948, que “os seus principais inimigos são os EUA e a Coreia do Sul”. Desde essa data que Pyongyang “pretende unificar os dois países com base no seu regime comunista”. Uma ambição que deu origem à Guerra da Coreia (1950-1953), que “acabou num empate” e numa divisão do país simbolizada na Zona Desmilitarizada (Paralelo 38), “actualmente uma das fronteiras mais perigosas do mundo”, lembra Nuno Magalhães.

Coreia do Norte pós-Guerra Fria

Com a estabilidade da Guerra Fria, devido à relação não conflitual entre Estados Unidos e União Soviética (URSS), “entre 1947 até 1989 o sistema internacional foi estável no que diz respeito ao confronto directo entre as duas super-potências mundiais”, analisa o doutorando. No entanto, em 1989, quando se verificou a queda do muro de Berlim, “assistimos ao fim simbólico da Guerra Fria”.
Esta situação, explica o investigador, acarretou consequências para a nação asiática. A URSS, que sempre “amparara” a Coreia do Norte, tinha desaparecido, e a Rússia “não tinha condições ou não estava disposta a proteger o regime de Pyongyang”. É a partir desta altura que se começa a gerar “um desequilíbrio na península coreana”, sublinha Nuno Magalhães.
No início dos anos 90, a Coreia do Norte “começa a ver aumentar a sua insegurança”. Face aos EUA, e face a uma eventual reunificação feita à imagem da Coreia do Sul, em que “o regime ditatorial de Kim Il Sung desapareceria”. É a partir desta data, desenvolve o investigador, que a Coreia do Norte “sente urgência em procurar garantir a sua segurança, tanto a nível económico como a nível militar”.

Nos primeiros anos pós-Guerra Fria, a Coreia do Norte “procurou adquirir capacidade nuclear para impedir que os EUA eventualmente a atacassem”. E nas palavras de Nuno Magalhães, fê-lo com um duplo objectivo: Por um lado como capacidade de dissuasão militar, mas por outro para “trazer os EUA à mesa das negociações, e assustar os países da região para que esses Estados não deixassem que a Coreia do Norte se afundasse, e procurassem ajudá-la”. Como explica o doutorando, gerou-se uma situação em que “Pyongyang precisou de sobreviver com base numa chantagem”, que tinha (e tem) como suporte armas nucleares e uma capacidade militar “suficientemente assustadora para o país não ser esquecido”.

“Uma chamada de atenção”

Presentemente, o caso dos mísseis “foi mais uma chamada de atenção”. Nuno Magalhães esclarece a questão à luz da Conferência dos Seis – conversações onde têm assento os EUA, a China, a Rússia, o Japão e as duas Coreias, e que têm como base o desarmamento do arsenal nuclear norte-coreano. “As conversações estavam paradas porque os EUA impuseram sanções à Coreia do Norte”, recorda Nuno Magalhães. O regime de Pyongyang, por sua vez, exigia negociar directamente com os EUA, o que George W. Bush recusou formalmente. Daí, a tal necessidade de “chamar a atenção”.

O investigador destaca a estratégia bicéfala adoptada por Pyongyang: “Se por um lado mantinha uma política retórica agressiva face a Washington, por outro procurou uma aproximação aos EUA”. Isto porquê? “Porque os Estados vivem num sistema internacional anárquico” – em que não há nenhuma autoridade acima dos Estados, que consiga garantir a segurança desses mesmos territórios.
Na perspectiva do doutorando de Relações Internacionais, “tanto o caso da Coreia do Norte, como agora a questão do Irão ou do Líbano, têm a ver com a procura pelo Poder em que os Estados se envolvem”, remata Nuno Magalhães.

Beirute, 12 de Julho

Falar do Médio Oriente é reconhecer que se trata da zona mais instável do Mundo. No final de Junho, o primeiro-ministro israelita, Ehud Olmert, e o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas haviam-se encontrado com o objectivo de anunciar o regresso às conversações bilaterais. No entanto, três dias depois, um soldado israelita era raptado perto da Faixa de Gaza por um grupo radical palestiniano, com ligações ao Hamas. Duas semanas depois, a 12 de Julho, foi a vez do Hezbollah. Este grupo xiita apoiado pelo Irão raptou dois soldados israelitas na fronteira entre o sul do Líbano e o norte de Israel. Como resposta, além do regresso às operações militares em Gaza (invadindo o território dez meses depois da retirada), Israel desencadeou uma série de bombardeamentos a Beirute, dirigidos sobretudo aos xiitas no Líbano.

Observando na óptica das Relações Internacionais, Nuno Magalhães entende que “da mesma forma que a Coreia do Norte procurou alterar a estrutura de Poder no Extremo Oriente, nesta situação é o Irão quem está a procurar alterar a estrutura de Poder no Médio Oriente”. “É isso que está a balançar actualmente a região”, sublinha o investigador, para quem “a questão do Líbano está directamente relacionada com a questão iraniana”.

Dispostos a pegar em armas

Na perspectiva do investigador, “ o Irão, vendo que os EUA ficaram atolados no Iraque - que a sua construção democrática não era um dado fácil - e que o governo americano não tinha espaço para mais aventuras militaristas na região”, aproveitou para “jogar uma cartada fortíssima que foi a cartada nuclear”.
Numa altura em que o Irão e o seu presidente, Mahmoud Ahmadinejad “desafiam abertamente os EUA e Israel com o seu programa nuclear”, Nuno Magalhães entende que esta acção contra o Estado de Israel “parece ter sido concertada entre o Hezbollah e o Hamas, entre a Síria e o Irão”. O que une estes grupos e países é ”a tentativa de destruírem Israel”, observa o doutorando.

Para o investigador, a resposta de Israel “demonstra bem que o que está em causa não são só dois soldados nem é só o Hezbollah”; o que está em causa é “demonstrar na região que Israel continua disposto a pegar em armas para defender os seus interesses”. Trata-se de “uma mensagem para o próprio Hezbollah, para o Hamas, para a Síria e para o Irão”, destaca Nuno Magalhães. O que está a acontecer, acentua o doutorando, foi que “Israel encontrou uma oportunidade de demonstrar não só aos extremistas islâmicos e à Síria, mas também ao Irão, que tem uma capacidade autónoma de acção na região, e que não está disposto a que a regime de Teerão altere a estrutura regional de Poder”.

E como Nuno Magalhães sublinha num recente artigo “Coreia do Norte, Anarquia e Poder Nuclear”, publicado em Junho de 2006 pela revista Relações Internacionais, “Os Estados são entidades egoístas que de forma racional procuram a prossecução dos seus objectivos”. Uma fórmula que explica o que se está a passar em Pyongyang e Beirute.
25. 07. 06

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